terça-feira, 18 de junho de 2013

A ordem do progresso


Penso que esse é um bom momento pra se refletir sobre essa mobilização política, e ver todas suas possibilidades.

O levante é contra um dos fatores que aumentam o custo de vida dos brasileiros, é essencialmente um levante contra as desigualdades sociais. Nesse sentido, as reclamações deveriam seguir em direção aos preços da passagem do metrô, do metrô para os pedágios, dos pedágios para toda essa privatização da educação de qualidade, da saúde de qualidade, ao custo de se ter uma moradia digna, em direção a tudo o que pesa imediatamente como uma bigorna no custo de vida de todo mundo.

Mas, considerando ser essa uma movimentação contra as desigualdades sociais, nesse momento vale sim a pena ordenar os problemas sociais mais amplos nos termos de sua real importância.

E o que é realmente importante -- o ponto chave, crucial, nevrálgico, da luta contra as desigualdades sociais no Brasil -- é a Reforma Tributária. Uma grande reforma que diminua radicalmente os impostos sobre as mercadorias (que recaem sobre todos!) e que, ao mesmo tempo, aumente exponencialmente os impostos sobre a renda dos mais ricos (!). Os impostos sobre as mercadorias nos afetam a todos, e quanto menor a renda, maior o impacto relativo desses tributos indiretos. Enquanto, no que respeita aos impostos diretos sobre a renda, a diferença atual de alíquotas é ridiculamente pouca frente à real dimensão das desigualdades no Brasil. O sistema tributário é o principal mecanismo de distribuição de renda, e a tributação no Brasil é horrorosamente regressiva (cobra proporcionalmente mais dos mais pobres que dos mais ricos).

Pra saber quão importante é esse problema, basta mexer nessa ferida: veremos os grandes tubarões aparecendo furiosamente pra defender seus privilégios.

Quanto ao problema especificamente político de como chegar lá, é preciso identificar os limites estruturais da ação política dentro da estratégia de coalizão do PT no governo nacional, o que nos mostra o filósofo da USP, Vladimir Safatle (Folha de S. Paulo, 17.04.2012), em texto que se segue: importante pra pensarmos nas grandes reformas estruturais que só uma mobilização geral de intensidade como a que vemos hoje poderia lograr: mas com um salto de qualidade que duvido que aconteça ainda nessa década.


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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/37524-os-limites-do-lulismo.shtml

*** Os limites do lulismo ***, por Vladimir Safatle

Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.

Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média".

No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.

O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.

No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.

É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.

A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.

Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.

Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome
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2 comentários:

  1. Umas impressões que eu tive ontem:
    Em primeiro lugar, que foi animal ver tanta gente, e em todo lugar. Acho que isso é o principal.
    Há coisas que me causam estranheza, mas não sei julgar ainda muito bem: muitos adolescentes/jovens com as bochechas pintadas de verde e amarelo. Jovens demais pra terem sidos caras pintadas nos anos 90. Talvez filhos destes, orientados pelos pais. Os caras pintadas lá atrás tiraram um presidente corrupto e o substituíram por um que trouxe o plano real. Os de agora, muitos, são contra as bandeiras e a politização (tsc) do movimento, são contra a corrupção e tão mandando a dilma tomar no cu, fora dilma, na onda das vaias na copa das confederações, essas coisas: pessoas que estão incomodadas com a inflação crescendo e o pib baixando. Ela tá sendo mais xingada que o alckmin e o haddad.
    O haddad já demorou muito, foi pra brasília falar com o lula e a dilma, parece. Ainda torço pra ele decidir logo isso, se o alckmin baixar antes (porque ele deve estar se mobilizando), vai ser triste.
    To pensando as coisas ainda.

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  2. Vi uma foto de uma menina segurando um cartaz protestando contra o bolsa-família (que ela chamava de "bolsa-esmola") e me deu um nojo desgraçado. No meio de um protesto contra o altíssimo preço de se viver em São Paulo, essa menina apareceu pra vomitar em cima do principal política social de que dependem tantos (tantos que, com uma renda minúscula, perdem o pouco do que têm pagando, entre outras coisas, pelo transporte "público"!).

    Os jovens "caras pintadas" dos anos 1990s tiveram muitas virtudes, foram dignos de grandes elogios, mas não creio que se possa dizer que se tratava de um movimento propriamente popular. Eram da mesma cepa dessa menina reacionária de classe média leitora, você sabe, da Veja.

    Não que Collor também fosse um santo e merecesse qualquer coisa, especialmente depois do sequestro das poupanças. Apenas pra constar: ele peitou a Folha de S. Paulo (a Polícia Federal chegou a invadir a redação do jornal!). O então presidente, sem maioria parlamentar, perdeu a aposta e caiu frente à pressão midiática. E essa pressão midiática mobilizou esses jovens branquinhos da antiga classe média.

    A pergunta que faço é: não é estranho que os protestos fossem contra uma figuração relativamente abstrata da corrupção, e não no momento concretíssimo do confisco, que afetou muito mais e diretamente as pessoas?

    A moeda política das acusações de corrupção está e sempre esteve supervalorizada, pelo muito do que as disputas políticas passam pela mediação do jornalismo e dessa configuração oligopolista de um campo midiático totalmente concentrado no sudeste brasileiro. O que um jornalista pode encontrar, senão o fantasma secreto dos negócios espúrios? A moeda política da crítica, a palavra aberta contra políticas estabelecidas na claridade do mundo público, é totalmente desvalorizada frente ao segredinho sujo e revelado do cartão corporativo que comprou uma tapioca superfaturada.

    A bandeira da Reforma Tributária, nesses termos que falei, acredito ser importante porque houve, da década de 1980 até aqui, uma mudança radical no que as pessoas identificam os crimes das elites. Qual o crime por excelência das elites? Na percepção geral, esse crime das elites não está mais caracterizado na sonegação de impostos das elites econômicas (como assim era identificado nos anos 1980-90), mas no fantasma secreto da corrupção das elites políticas.

    E acho que só há chances de real sucesso de grandes mudanças estruturais (como ESSA reforma tributária) quando e se essas bandeiras do estado de bem estar forem adotadas pela classe média ascendente. Mas há um déficit de articulação dos governos petistas com os movimentos de base, os "grass-roots". E isso é gravíssimo na disputa em torno da classe média emergente.

    O problema é que tanto Dilma quanto Haddad são tecnocratas, sem habilidades pra lidar com situações de emergência popular como essa. Dilma se afastou dos movimentos sociais, se alinhou a ruralistas, jogou os ambientalistas pra escanteio, jorra dinheiro nas Organizações Globo através da publicidade estatal, o sindicalismo foi deixado de lado em prol das organizações patronais (recentemente li que há um movimento pedindo o Lula de volta em 2014 por conta disso), ela faz concessões a evangélicos e traça políticas sociais pras mulheres sem consultar os grupos políticos feministas.

    A questão me parece a de saber se há a possibilidade de uma nova esquerda que possa surgir aí, identificada com essa classe média emergente, pra preencher esse espaço? Antes que uma indesejável extrema-direita o faça?

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