Penso que esse é um bom momento pra se refletir sobre essa mobilização política, e ver todas suas possibilidades.
O levante é contra um dos fatores que aumentam o custo de vida dos brasileiros, é essencialmente um levante contra as desigualdades sociais. Nesse sentido, as reclamações deveriam seguir em direção aos preços da passagem do metrô, do metrô para os pedágios, dos pedágios para toda essa privatização da educação de qualidade, da saúde de qualidade, ao custo de se ter uma moradia digna, em direção a tudo o que pesa imediatamente como uma bigorna no custo de vida de todo mundo.
Mas, considerando ser essa uma movimentação contra as desigualdades sociais, nesse momento vale sim a pena ordenar os problemas sociais mais amplos nos termos de sua real importância.
E o que é realmente importante -- o ponto chave, crucial, nevrálgico, da luta contra as desigualdades sociais no Brasil -- é a Reforma Tributária. Uma grande reforma que diminua radicalmente os impostos sobre as mercadorias (que recaem sobre todos!) e que, ao mesmo tempo, aumente exponencialmente os impostos sobre a renda dos mais ricos (!). Os impostos sobre as mercadorias nos afetam a todos, e quanto menor a renda, maior o impacto relativo desses tributos indiretos. Enquanto, no que respeita aos impostos diretos sobre a renda, a diferença atual de alíquotas é ridiculamente pouca frente à real dimensão das desigualdades no Brasil. O sistema tributário é o principal mecanismo de distribuição de renda, e a tributação no Brasil é horrorosamente regressiva (cobra proporcionalmente mais dos mais pobres que dos mais ricos).
Pra saber quão importante é esse problema, basta mexer nessa ferida: veremos os grandes tubarões aparecendo furiosamente pra defender seus privilégios.
Quanto ao problema especificamente político de como chegar lá, é preciso identificar os limites estruturais da ação política dentro da estratégia de coalizão do PT no governo nacional, o que nos mostra o filósofo da USP, Vladimir Safatle (Folha de S. Paulo, 17.04.2012), em texto que se segue: importante pra pensarmos nas grandes reformas estruturais que só uma mobilização geral de intensidade como a que vemos hoje poderia lograr: mas com um salto de qualidade que duvido que aconteça ainda nessa década.
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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/37524-os-limites-do-lulismo.shtml
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Os limites do lulismo ***, por Vladimir Safatle
Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.
Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média".
No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.
O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.
No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.
É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.
A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.
Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.
Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome.