quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A onda conservadora não é tucana

O segundo turno das eleições presidenciais começou, surpreendentemente, com a emergência da questão da legalização ou não do aborto. Deflagrou-se uma bem-sucedida campanha, que vinha desde meses atrás mas que ganhou muita força nas últimas semanas, baseada em emails terroristas recheados de acusações falsas contra a candidata Dilma.

Isso não é de todo ruim: mostra o novo papel das mídias eletrônicas no processo político. Enquanto muitos bocejavam no horário eleitoral e nos debates televisivos entre slogans eleitorais, uma enxurrada de emails conseguiu provocar um segundo turno, algo que o oligopólio midiático - Globo, Folha, Estado e as outras - não conseguira com toda a frenética cruzada de fabricação de escândalos. É sob essa mesma condição (de fortalecimento das midias eletrônicas) que a blogosfera permitiu-nos questionar as distorções do noticiário de uma agressiva imprensa antipetista.
 
Tenho essa sensação de que a campanha de Serra não tomou plena consciência de que a onda conservadora não é, em essência, serrista ou tucana. São forças pré-políticas, subterrâneas, que estão gozando com o enrosco em que os candidatos se emaranham para evitar a hemorragia eleitoral.

Em comum, essas forças reacionárias, algumas subterrâneas, outras não - em que se inclui o agronegócio, setores religiosos, os militares, o oligopólio midiático -, insurgem-se todas contra as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos - 3. Uns não querem avançar na reforma agrária, outros temem que as mulheres saiam abortando por aí feito loucas, outros não querem a punição dos torturadores no regime militar, outros não querem dividir seus espaços no mercado da comunicação.

Os PNDHs surgiram após a Conferência de Viena, em 1992. Lá, recomendou-se que os governos nacionais elaborassem tais programas para integrar a promoção e a proteção dos direitos humanos como programas de governo (Cf.: Sérgio Adorno, História e Desventura; clique aqui para ler o texto na íntegra). Foi com FHC, Paulo Sérgio Pinheiro e José Gregori que os PNDHs entraram na agenda política. O terceiro PNDH - que tem como figuras de proa Flávio Vannucchi, Tarso Genro -  é mais combativo, mais aguerrido, entende perfeitamente o quanto a luta pelos Direitos Humanos só pode ser uma luta política, e não uma obra de engenharia jurídica. Mas a paternidade do PNDH3, ao contrário do que nossos anticomunistas hidrófobos pensam, não é do PT - nem propriamente do PSDB, pois trata-se de uma política de Estado, não de governos. É de todo o conjunto de entidades de defesa dos Direitos Humanos e sua ação ao longo desses 20 anos. Os PNDHs são, em última instância, uma continuidade - política - dos princípios jurídicos de nossa Constituição, a assim chamada Constituição Cidadã.

Quando assistimos Serra e seu vice, Índio da Costa, assumindo posturas políticas de extrema-direita, vociferando acusações contra o governo boliviano (atendendo às expectativas e aos esquemas de pensamentos dos políticos do agronegócio na região do Mato Grosso), incitando os militares da aeronáutica com a mesma terminologia dos militares de 64 ("O PT montou uma República Sindicalista!"), rezando junto com pastores evangélicos (Jesus!), apresentando-se como o arauto da "liberdade de imprensa" de uma imprensa que se faz de coitada - nesse momento temos o que Vladimir Safatle anunciou com felicidade como o esfacelamento ideológico do PSDB (clique aqui para ler na íntegra) - esfacelamento que, ressalto junto com o filósofo, começou desde o momento em que o PSDB aliou-se ao PFL (atual DEM) para vencer as eleições de 1994.

O avanço dos movimentos pelos direitos humanos teve como contrapartida o alijamento desses grupos do processo político-eleitoral. Ao contrário do que acreditam os militantes mais alarmistas dos direitos humanos, a eleição de figuras como Jair Bolsanaro, Aguinaldo Timóteo, eram ainda exceções no quadro mais geral da ocupação das cadeiras do legislativo. Na falta de um discurso político coerente de oposição, Serra foi procurar, como um aprendiz de feiticeiro, as forças mais reacionárias que estavam à margem do processo político, e as conseqüências disso ainda estamos por ver.

Nesse momento assistimos a campanha dilmista tentando escapar do rolo compressor conservador, reafirmando seus compromissos com Deus e com o antifeminismo. Nessa sinuca de bico, o PT tenta no curto prazo estancar a hemorragia eleitoral. O terrível dessa situação é ver a campanha oficial (assim como alguns influentes blogs...) afinar-se ao discurso conservador e mostrarem como Serra seria também um "monstro abortista", ao invés de ressaltar o que há de continuidade nos Programas Nacionais de Direitos Humanos desde os tempos do governo FHC (PNDH-1 e PNDH-2) até agora (PNDH-3). Os eleitores e militantes sinceros que restaram do PSDB não devem alegrar-se demais também, pois, no longo prazo, essas forças retrógradas, cada uma segundo suas particularidades, tendem a ultrapassar o continente psdbista, em direção a uma desestruturação de todo o sistema partidário.

Um comentário:

  1. Aê! posta o texto DOIS PESOS que o cabeção mandou por mail... tudo a ver
    ô maluco!!! tu escreveu esse texto sozinho?
    Agora sim ta merecendo o diploma!
    Parabéns mano!

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