sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O Papa é do DEM?

Papa condena aborto e pede para bispos brasileiros orientarem politicamente fiéis (Folha de S. Paulo 28.10.2010)



Grande coisa. Eis o que tenho a dizer sobre isso:

Não é o Papa que está ali do lado do trabalhador do campo quando são perseguidos, ameaçados e executados nos conflitos no campo. Não é o Papa que denuncia as violações de DDHH por parte de fazendeiros e seus capangas. Não é o Papa que está ali do lado do preso quando é mal-tratado, esmagado numa cela junto com mais 30, torturado por funcionários ou executado por outros presos. Não é o Papa que está ali do lado acompanhando a situação dos menores abandonados. Não e o Papa que está perto de miséria e fome e injustiça.

São os padres militantes, como os das Pastorais, que estão ali, que ultrapassam a picuinha moral e estão preocupados com a questão social, porque a vêem bem à sua frente, e oferecem uma verdadeira resposta moral a ela. Padres que não recusam seu papel político nos conflitos, que são figuras em simbiose com as comunidades, cuja autoridade não está referendada por uma hierarquia rígida lá do outro lado do Atlântico. Ao contrário, é um tipo especial latino-americano, perseguido desde antes da Guerra Fria, que está do lado dos marginalizados, que foi combatido com a "renovação carismática", preterido por padres conservadores e xaropes, como aqueles que usam o momento do sermão pra criticar o big brother brasil e outras futilidades, ao invés de olhar de frente o demônio da desigualdade social.

Enquanto esses padres militantes sentem sua força moral quando em nome dos desfavorecidos, os conservadores só sentem sua força quando são muito mais fracos aqueles que foram nomeados como seus inimigos. São fervorosos, mostram toda a disposição para o combate, quando do outro lado do campo de batalha estão, por exemplo, mulheres que escolhem abortar e não podem conversar sobre o assunto livremente. É tamanha a falsidade de consciência, que, pra justificar sua mecânica de linchamento, falam sempre em nome de abstrações e projetam em suas nemesis uma falsa ameaça. Como quando se opõem a homossexuais acusando neles um risco à espécie humana. Ou quando opõem-se às pesquisas com células-tronco e falam, tal como na objeção ao aborto, em nome de um bebê abstrato que supostamente vive nelas. Esses conservadores sempre buscam "testar sua fé", mostrar seu valor de mensageiro da palavra, contra os mais fracos.

A hierarquia católica foi defendida a ferro e fogo desde os tempos do nunca; essa hierarquia, do ponto de vista da burocracia religiosa, é seu valor mais caro. Então é preciso que se diga: a intenção do vaticano não é exatamente empulhar a eleição de Dilma Rousseff, muito menos o Papa se simpatiza com José Serra. Bento XVI, assim como fizera João Paulo II, dá sequência a uma antiga luta entre, de um lado, a cúpula da hierarquia católica, e, do outro, os curas do terceiro mundo que, à revelia das diretrizes políticas do Vaticano, se solidarizam com os oprimidos nas situações políticas. Uma declaração dessas por parte do papa serve para forçar o amansamento político dessas figuras dissidentes e a cooptação dos jovens seminaristas para o lado "do bem", e não do lado dos "comunistas subversivos que querem instalar uma república sindicalista no Brasil" (já que Serra nos trouxe de volta aos anos 60...)

Não devemos nos assustar com o papa "do bem". Mais ainda: acho que não devemos superestimar o poder desses movimentos político-religiosos dessas eleições. Somos "o maior país católico do mundo", mas desde o século XIX, Nina Rodrigues já sabia que, em um país de diferentes raças coexistindo, essas estatísticas costumam enganar facilmente. Ou, como disse alguém que não lembro: "O Brasil pode ser 95% católico, mas é 100% candomblé". A atenção que deram a Bento XVI, com toda a pompa e cobertura televisiva ostensiva, quando de sua visita ao Brasil, não é de natureza diferente da atenção que recebeu Michael Jackson. O Papa é um significante como outros.

Alguns dos intelectuais tropicais demais ressaltam a nossa malemolência, o não levar a sério as coisas, a palavra que tem um valor diferente do que foi alhures, e por isso não assistimos aqui as guerras fratricidas que antes houveram na Europa, especialmente as guerras religiosas. Nunca assistimos, no Brasil e no resto da América Latina, uma verdadeira "reforma protestante". Mas a palavra ganha força na medida em que ela é operadora de Justiça. E se há de vir alguma palavra religiosa que tenha a força efetiva de mover as coisas da sociedade, ela certamente não virá do Vaticano ou dos televangelistas oportunistas, mas de nossos honrosos objetores de consciência da Teologia da Libertação.

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